Quando Eliot pegou as chaves da velha Ducati 916, seu coração batia forte ao ponto dele sentir a cavidade toráxica se comprimindo. A cabeça pesava, e os olhos estavam vermelhos pela força que fazia de não chorar. Deu uma fungada e parou ao centro do chalé vazio de Poseidon, que habitava sozinho desde que Percy, seu meio-irmão mais velho, havia abandonado o acampamento para morar em um apartamento com Annabeth Chase. Pelo menos não havia ninguém ali para ver aquele momento patético de tristeza e desolação.

Mas ele mesmo o havia procurado, e o arrependimento era quase corrosivo.

Se tivesse pensado melhor, nem que fosse por alguns instantes, teria se mantido quieto. Maxine sempre fora capaz de o tirar do sério, fosse naquele momento ou há seis anos atrás, quando eram apenas crianças e ele começava a sentir coisas mais sérias por ela. A aprovação no MIT, porém, afastou-os por um longo período de tempo, e seu retorno apenas mostrou que a ruiva estava mais teimosa e mais egoísta que outrora. Ainda assim, as duras palavras proferidas no chalé de Hades perpetuavam em sua mente, ecoando quase como uma maldição. Não era do seu feitio. Não precisava daquilo.

Chutou a borda de madeira daquilo que deveria ser uma pequena fonte centralizada no hall de entrada. Sentiu o mindinho doer, por mais que usasse coturnos.

– Patético. Você é patético – Resmungou conforme saía para o breu noturno, o rosto lacrimoso de Max estampado em sua mente como um outdoor neon de puteiro, piscando descaradamente. Sim, meu caro leitor. Embora teimasse com seu ego e com todas suas forças, tentando ao máximo irritar a ruiva em ocasiões e passar-se por desentendido, Eliot ainda nutria sentimentos no fundo de seu coração, e a luta diária era para não deixá-los transparecer. Por isso fizera o acordo com Ophelia, e passara a desfilar com a filha de Atena como se fossem um casal. Queria provar para todos - e para si mesmo - que já estava tudo acertado e aqueles momentos com Maxine eram um passado distante e enterrado.


Embora o final do ano anterior houvesse provado que as coisas não estavam tão enterradas assim.

Caminhou com as mãos nos bolsos, rumando em passos duros e firmes até o estábulo dos Pégasus. Eliot retornara da faculdade com uma moto antiga, comprada em um leilão quase clandestino nos subúrbios de Cambridge, e implorara à Quíron que o deixasse guardá-la no acampamento. O combinado era que o rapaz alimentasse os cavalos alados todas as manhãs, e poderia escondê-la entre as baias vazias. Para o jovem espanhol aquila era a melhor tarefa possível, já que desde criança - e graças a seu pai -, sempre tivera uma grande afinidade com equinos.

E aqueles, em especial, eram capazem de falar tanta merda quanto ele.

Quando chegou ao local, o cheiro de feno e pelo lhe encheu as narinas, trazendo um certo conforto. Alguns relinchos e gritos de boas-vindas o recepcionaram, mas o moreno sentia-se sem força ou ânimo para responder no mesmo tom. Rumou diretamente para os fundos, procurando sua moto na pouca luz noturna. Encontrou-a, removeu a capa protetora, subiu, colocou o capacete e enfiou a chave na ignição. Não precisou de mais que dois minutos para estar acelerando pelas vielas pedregosas do acampamento.

O frio noturno quase cortava a face conforme acelerava pela estradinha rural que ligava o acampamento à Long Island.

Não tinha destino certo, mas sabia que precisava estar em algum lugar onde ninguém o conhecesse e ninguém pudesse o perturbar. Dirigiu por algum tempo, até que as luzes da cidade começaram a se aproximar vagarosamente, englobando-o como um todo por fim. Poderia ter buscado a companhia de Charlie, mas o desprezo da irmã por Maxine seria apenas mais uma agulha enfiada debaixo de suas unhas. A última coisa da qual precisava naquele momento era críticas pouco construtivas. Seguiu pelas ruas, procurando avidamente qualquer buteco de esquina mal-frequentado, e não demorou muito para encontrar um do jeitinho que queria. Parou a moto defronte o estabelecimento, e algumas prostitutas paradas alguns metros a frente o convidaram a se juntar a elas. Declinou com a cabeça, e entrou no estabelecimento com o semblante tão aborrecido que poderia fazer chover. E talvez o fizesse.

Lá dentro o ar era pesado, com cheiro de álcool, cigarro e suor misturados. Uma música baixa vinha do balcão, e foi justamente para ele que se dirigiu. Alguns bancos encontravam-se vazios no canto direito, Eliot julgou o lugar perfeito para aproveitar e desfrutar de todo o seu arrependimento. Sentou-se e ergueu a mão para o barman, que servia alguns motoqueiros barulhentos e gordos. Pediu qualquer bebida mais forte do cardápio - embora não bebesse praticamente nada - e aproveitou de sua solidão.

Os olhos da ruiva praticamente o amaldiçoavam em sua imaginação. Antes do ocorrido, sua mente estava sempre ocupada com outras informações, como os tipos de revestimento apropriados para os cascos de navios. Agora, desde o momento em que pisara para fora do chalé de Hades, tudo o que conseguia pensar era naquela maldita mulher. E a cada minuto que passava se sentia mais e mais angustiado e em agonia pelo que havia feito.

Taylor Swift já diria: Karma is gonna track you down, step by step from town to town.

Ou melhor! Como era o nome daquela música brasileira... Daquela banda de engenharia, a qual o nome nunca fizera sentido... Ah, Refrão de Bolero!

"Eu fui sincero como não se pode ser
E um erro assim, tão vulgar
Nos persegue a noite inteira
E quando acaba a bebedeira
Ele consegue nos achar"
O conhecimento de Eliot sobre o Brasil se devia todo a seu colega de quarto na fraternidade, mas esse é um assunto para outro momento. O foco aqui é Maxine Strathham. E era nela que ele pensava. Deu um gole no copo que surgira a sua frente? cheio de um líquido amarronzado. Fez uma careta de desprazer quando o amargo atingiu seus lábios, mas não podia cuspir. Não ali, diante de tantas pessoas estranhas, tatuadas e com cara de que poderiam amassá-lo em dois segundos. Bem, dois não. O seu lado divino com certeza deitaria qualquer um no recinto.

Mais um gole e mais uma careta.

Sentiu uma lágrima rolar pela bochecha e limpou-a de imediado com as costas da mão. Maldita ruiva. Maldito descontrole psicológico. Seria mesmo que seu destino estava fadado ao mesmo da mãe? Louca e desamparada, definhando à sua própria maneira, perdendo a assência pouco a pouco, dia após dia? Não podia suportar aquele pensamento. Praguejou baixinho por toda aquela situação. O egoísmo do momento não o havia permitido pensar nos problemas maiores que envolviam o acampamento e ser peão no jogo de tabuleiro dos deuses. Deu mais um gole, e agora parecia mais tolerável. Respirou fundo e deixou as mãos afundarem nos cabelos, mantendo os olhos fixos no balcão. A música mudou bem no momento em que seus ouvidos se aguçaram para os demais sons do local, e pôde ouvir claramente a voz bêbada de Alex Turner gemendo I Wanna Be Yours no chiado do rádio.

Por quê diabos o mundo estava conspirando contra seu favor? Ele já havia entendido o erro grotesco que cometera!

Mais um gole.

Eliot perdeu a conta do quanto bebeu, pois após o terceiro copo já não estava mais em condições. A última coisa da qual se recordou, antes de desmaiar, foi de jogar uma pequena pilha de dinheiro para uma das garçonetes. Na manhã seguinte, quando retornou à consciência, com uma dor de cabeça que abateria até um minotauro, percebeu que estava mais fodido do que poderia imaginar. Talvez ele ainda sentisse algo por Maxine. Talvez suas tentativas de afastá-la fossem péssimas. E agora ele havia ferrado com tudo.