Mesmo que tivesse passado da hora de treinos, o corpo de Hunter permanecia elétrico.O dia parecia ter passado rápido demais e certamente não foi o suficiente para consumir sua hiperatividade e energia excessiva pois só o que fazia era revirar o corpo na cama completamente sem sono pelo o que pareceram horas antes de desistir completamente e jogar a cobertas para o lado. Primeiro sentou-se na cama os cotovelos sobre os joelhos e o rosto afundado nas palmas antes de deslizarem para os cabelos jogando os fios para trás. Ao olhar seus arredores no interior do chalé de Hades, mais especificamente nas poucas camas ocupadas, seus irmãos dormiam pacificamente sem saber que eram alvo da mais pura inveja. Aquele dia estava começando a se tornar irritante.

Levantou-se da cama subitamente e pegou um par de tênis que havia guardado ali embaixo e silenciosamente deixou o chalé sem se importar com a roupa que estava usando. Seu silêncio não era um respeito ao sono alheio e sim uma precaução para com as harpias que guardavam o acampamento a noite. Apesar de achar sempre divertido a forma com que gralhavam e perseguiam campistas descuidados e muitas vezes usa-las para sua própria diversão, não estava no humor para lidar com elas naquela noite. Deixou apenas que seus pés o levasse até a arena do acampamento onde haviam bonecos de treino totalmente imóveis que geralmente eram usados para orientar semideuses novatos no uso de suas respectivas armas, mas para veteranos como Hunter, não passavam de brinquedos nada atrativos. Pensou em desviar seu caminho para a praia, afinal era o lugar de fuga mais frequentado pelos semideuses e talvez houvesse algum rabo de saia perdido contemplando a escuridão para lhe conceder alguma diversão, mas uma alternativa mais interessante lhe chamou atenção.

No fundo da arena havia uma pequena área com um tatame azul e pendurado sobre ele uma espécie de longo cilindro vermelho de tecido sustentado por uma corrente que por sua vez estava presa a um suporte de ferro que se cravava no chão. Era um saco de pancada em toda sua glória. O objeto parecia brilhar sob a luz da lua de tão perfeito para o filho de Hades descontar suas frustrações e gastar energia.

Com passos largos caminhou até o local onde pôde notar que também haviam acessórios variados e típicos de artes marciais. Ignorou as enormes e típicas luvas vermelhas e optou por apenas enrolar os punhos em bandagens brancas. Gostava de sentir o impacto diretamente na sua carne. Sendo assim dirigiu-se até o saco de pancada, posicionando o corpo em sua frente antes de começar a socar-lo. Cada impacto doía e reverbrava em sua musculatura devido a falta de proteção, mas já era acostumado então aquilo não o abalou, apenas continuou a socar violentamente o saco de pancadas, fazendo jús ao seu nome. Durante o exercício seu cérebro divagava sem rumo lhe presenteando com imagens e ideias que não continham o menor sentido sendo uma delas a memória de sua chegada ao acampamento, onde fora atacado brutalmente pela própria floresta enquanto subia junto com Joel, um filho de Íris veterano que cuidava de casos de resgate mais complicados como o de Hunter. Mais uma vez voltou a questionar-se do motivo pelo qual tudo na natureza parecia lhe odiar. Já fora atacado até por ninfas uma vez! Aquele pensamento o incomodava sempre que a mente ficava ociosa, era como se a resposta para a pergunta fosse uma chave para abrir uma nova porta na vida do semideus, e para ser bem honesto, não sabia se desejava abrir tal porta.

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Tédio. Essa era a palavra que definia o que Mia sentia naquele momento. E mesmo limpando o anfiteatro a pedido do Sr. D. aquilo o tédio a consumia. Respirou fundo enquanto jogava o saco de lixo fechado na enorme lixeira que estava ali, o que quer que tenha sido a última reunião as pessoas nela não eram as mais educadas. –Sinceramente eu não faço mais favores, porque é isso que se recebe. – Bufou jogando a vassoura e a pá para longe de si. De fato, era frustrante ser chamado para limpar quando não havia feito nada de errado, isso deveria ser feito para punir alguém e não como um favor que nunca será pago. Ao terminar o serviço a semideusa precisava gastar a energia se quisesse dormir bem ao invés de ficar virando na cama esperando o sono vir. Passou rapidamente em seu chalé para pegar seus anéis escudo e seu kit de adagas para enfim poder ir para um treino noturno.

Os semideuses não costumavam a passar as noites treinando, exceto os com insônia ou raiva. Treinar para a prole de Ares era uma espécie de yoga, a acalmava e a deixava disposta para qualquer coisa. O caminho para a arena não durou muito, já que ela não queria ser vista por nenhuma harpia ou encontrar outro semideus, só queria um tempo sozinha. Uma silhueta masculina dava pra ser vista de longe na arena, silhueta essa que Mia não esperava ver nunca mais. –Só pode ser brincadeira– Murmurou ao reconhecer quem estava ali. Colocou então os anéis nos dedos de ambas as mãos e caminhou para mais perto segurando as adagas com força. –Machucar os dedos não vai te fazer sentir alguma coisa não, você não é capaz de sentir nada. –Falou em um tom arrogante enquanto se aproximava.

Sentou então no chão onde estavam alguns equipamentos de artes marciais e pegou uma bandagem. –É sério que vai entrar nessa que não se lembra de mim? Uma vez babaca sempre babaca– Findou brava rolando os olhos. Tirou os anéis e os colocou no chão junto com as adagas que segurava e então enrolou as bandagens nas mãos. –Às vezes eu fico me perguntando que merda eu tinha na cabeça pra me envolver com você. Ou estava perdidamente apaixonada ou achava que tinha encontrado alguém igual a mim. – Rolou os olhos se levantando e se aproximando do outro. O que quer que os dois tiveram não havia sido saudável, ambos tinham medo de relacionamentos e possuíam personalidades difíceis de lidar. Era óbvio que não daria certo. –Que surpresa estar aqui sozinho uma hora dessas, ou é um fetiche esquisito que a qualquer momento vai aparecer uma mina aqui e vocês vão transar loucamente até você a dispensar? –Ironizou em um tom de brincadeira. As íris verdes observavam o semideus atentamente enquanto ele a respondia com seu típico jeito.  

Focado em enfiar a porrada naquele saco de pancadas e perdido em pensamentos, só notou a chegada alheia após as palavras seres proferidas. Afastou-se de seu alvo ligeiramente para a direita e estreitou os olhos apenas para observar descrente a silhueta recortada sobre o manto da noite. Amélia? Maria?Millena?É, era Millena. No meio noite, em plena arena surgia uma filha de Ares com a qual teve um pseudo relacionamento curto porém conturbado. Talvez tivesse invadido seu habitat natural mas ainda assim não acreditava nas chances daquele encontro ter acontecido sendo que sempre tivera muito cuidado ao evitar a morena nos terrenos do acampamento.Suspirou pesadamente e limpou o suor da testa com as costas da destra antes de levar o olhar para o céu perguntando-se se deus havia o abandonado.

Sabia bem do histórico emocional daquela garota e o que tinha de linda, tinha de surtada e infelizmente aquele era o jeitinho que o diabo gostava. No começo o temperamento e personalidade de Mia foram atrativos ao rapaz. Ela não deitava para ninguém, era arrogante e impetuosa. Difícil de ser conquistada e mais difícil ainda de não ser notada, mas com o tempo todo esse encanto foi para a puta que pariu. Hunter tinha outras prioridades, não vivia em tempo integral no acampamento e o relacionamento não havia passado de um verão. Lembrava vagamente do dia em que tudo havia terminado pois a garota não havia facilitado para si, mas já fazia um tempo e logo Hunter já havia encontrado outro objeto de interesse nas festas do internato, logo aquela memória ficou trancada numa caixinha em algum lugar de suas lembranças.

— Que agressiva. — Respondeu com um risinho sínico, mas o que ela falava era em parte verdade. Hunter não se sentia na capacidade emocional de amar outra pessoa mas também não era de pedra. Tinha gostado sim de Mia, mas relacionamentos não eram seu forte. — Você descobriu meu plano. Eu fico por ai esperando as bonitinhas aparecerem e se não me engano funcionou com você não foi? — Piscou aumentando o sorriso. Realmente achava graça nas emoções estouradas da garota e seu rancor para com um relacionamento tão curto.

Notou que as mãos da garota estavam recém enfaixadas e pensou que talvez ela também quisesse bater no saco ou se ele mesmo fosse o alvo de possíveis socos. — Vai me bater porque eu te deixei? — Não seria a primeira vez que aquilo acontecia, mas talvez os socos de uma filha de Ares treinada fossem ser um pouco mais fortes do que os das patricinhas de Nova York e internatos femininos.

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Se existia alguma dúvida na vida da semideusa era o motivo de ter tido um relacionamento com semideus, ela sabia da fama dele e mesmo assim quis. Não era surpresa nenhuma que ela tenha saído como a ex louca, essa era a habilidade especialidade dele. Mia não era a pessoa mais fácil para se relacionar, também tinha culpa ali, mas não fora ela que terminou de uma forma extremamente babaca. —Me desculpe por não ser amorosa com você, não sabia que estava sensível. — Ironizou dando uma pequena gargalhada baixa. —Depende... Antes funcionou, mas agora não funciona mais. Já adquiri o antivírus para você! — Brincou um pouco para descontrair o ambiente que estava com a energia pesada. A semideusa não era a pessoa mais evoluída espiritualmente e por muito tempo passou a evitar de encontrar com o outro no acampamento para evitar brigar com ele, mas depois não precisou fazer mais isso já que ele também fazia. —Mas diga como vai a vida— O encarou tentando ser educada, mas no fundo não se importava em como estava a vida dele.  

Levantou do chão rapidamente sem se importar se havia sujado sua calça jeans preta e se aproximou do saco de pancadas. —Eu podia bater em você por ser um babaca, machista e narcisista demais, mas bater por terminar comigo? Então você realmente não sabe nada sobre mim— Argumentou com sinceridade enquanto alongava os braços e as costas. —Valeu a pena trair? Digo porque essas garotas de internato normalmente são fúteis demais. — Riu alto fazendo um coque em seus cabelos. —Mas que culpa as tem de serem mundanas? — A prole de Ares podia ser bastante tóxica as vezes, talvez fosse por conta da sua arrogância ou uma ação inconsciente pelo medo de relacionamentos. Mas não podia negar que o curto relacionamento que tiveram também era sua culpa por ter sido conturbado. —Vou poder usar o saco ou vai ser egoísta? — Perguntou segurando o saco para firmá-lo enquanto o outro transferia socos.  

Falar com o cara que havia terminado de uma forma tão babaca e logo depois já estava com outra era fato que traria memórias. Nem tudo havia sido ruim, mas era mais físico do que qualquer outra coisa. Talvez relacionamentos precisem de pessoas opostas e não parecidas para dar certo, para ter um bom equilíbrio.  Mas era bem mais provável que ambos não fossem feitos para se relacionarem emocionalmente, já que é o fator principal é ter o emocional para isso.